quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Adeus! - Análise do poema


Adeus! para sempre adeus! 
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora 
Sinto a justiça dos céus 
Esmagar-me a alma que chora. 
Choro porque não te amei, 
Choro o amor que me tiveste; 
O que eu perco, bem no sei, 
Mas tu... tu nada perdeste; 
Que este mau coração meu 
Nos secretos escaninhos 
Tem venenos tão daninhos 
Que o seu poder só sei eu. 

Oh! vai... para sempre adeus! 
Vai, que há justiça nos céus. 
Sinto gerar na peçonha 
Do ulcerado coração 
Essa víbora medonha 
Que por seu fatal condão 
Há-de rasgá-lo ao nascer: 
Há-de sim, serás vingada, 
E o meu castigo há-de ser 
Ciúme de ver-te amada, 
Remorso de te perder. 

Vai-te, oh! vai-te, longe, embora, 
Que sou eu capaz agora 
De te amar - Ai! se eu te amasse! 
Vê se no árido pragal 
Deste peito se ateasse 
De amor o incêndio fatal! 
Mais negro e feio no inferno 
Não chameia o fogo eterno. 
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste! 
Não sabes o que pediste. 
Não te bastou suportar 
O cepo-rei; impaciente 
Tu ousas a deus tentar 
Pedindo-lhe o rei-serpente! 

E cuidas amar-me ainda? 
Enganas-te: é morta, é finda, 
Dissipada é a ilusão. 
Do meigo azul de teus olhos 
Tanta lágrima verteste, 
Tanto esse orvalho celeste 
Derramado o viste em vão 
Nesta seara de abrolhos, 
Que a fonte secou. Agora 
Amarás... sim, hás-de amar, 
Amar deves... Muito embora... 
Oh! mas noutro hás-de sonhar 
Os sonhos de oiro encantados 
Que o mundo chamou amores. 

E eu réprobo... eu se o verei? 
Se em meus olhos encovados 
Der a luz de teus ardores... 
Se com ela cegarei? 
Se o nada dessas mentiras 
Me entrar pelo vão da vida... 
Se, ao ver que feliz deliras, 
Também eu sonhar... Perdida, 
Perdida serás - perdida. 

Oh! vai-te, vai, longe embora! 
Que te lembre sempre e agora 
Que não te amei nunca... ai! não; 
E que pude a sangue-frio, 
Covarde, infame, vilão, 
Gozar-te - mentir sem brio, 
Sem alma, sem dó, sem pejo, 
Cometendo em cada beijo 
Um crime... Ai! triste, não chores, 
Não chores, anjo do céu, 
Que o desonrado sou eu. 

Perdoar-me tu?... Não mereço. 
A imundo cerdo voraz 
Essas pérolas de preço 
Não as deites: é capaz 
De as desprezar na torpeza 
De sua bruta natureza. 
Irada, te há-de admirar, 
Despeitosa, respeitar, 
Mas indulgente... Oh! o perdão 
É perdido no vilão, 
Que de ti há-de zombar. 

Vai, vai... para sempre adeus! 
Para sempre aos olhos meus 
Sumido seja o clarão 
De tua divina estrela. 
Faltam-me olhos e razão 
Para a ver, para entendê-la: 
Alta está no firmamento 
Demais, e demais é bela 
Para o baixo pensamento 
Com que em má hora a fitei; 
Falso e vil o encantamento 
Com que a luz lhe fascinei. 
Que volte a sua beleza 
Do azul do céu à pureza, 
E que a mim me deixe aqui 
Nas trevas em que nasci, 
Trevas negras, densas, feias, 
Como é negro este aleijão 
Donde me vem sangrar às veias, 
Este que foi coração, 
Este que amar-te não sabe 
Porque é só terra - e não cabe 
Nele uma ideia dos céus... 
Oh! vai, vai; deixa-me, adeus! 


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Análise 
- o relato é feito no presente, evocando o passado, embora com perspetivas futuras que não implicarão o sujeito poético;
- o sujeito poético lamenta não ter amado o tu como ele o amou;
- e o Amor será o seu destino, será amá-la quando ela tiver outro Amor e essa será a vingança deste tu uma vez que o eu sentirá ciúme e remorso: 
- As perguntas de retórica apontam para a existência de teatralidade pois "questiona"  o tu sobre o que ela lhe teria dito num possível diálogo entre os dois;
- auto-critica-se mas não é vingança;
- ela terá dito que o perdoava mas ele afirma que isso seria atirar pérolas a porcos uma vez que não o merece; 
- o desafio (hybris) existiu quando esta estrela desceu do céu e ele ousou fitá-la;
- marcas de Romantismo: tom confessional; teatralidade; introduz o tema ciúme; alude/refere-se ao amor sensual; mulher-anjo; referência ao Inferno;
- é o eu que pede ao tu para o deixar, não é ele quem toma a iniciativa;
- à semelhança da tragédia, assistimos a um conflito que conduz à catástrofe que consiste na dificuldade ou quase impossibilidade de sair da vida do eu que assim não tem paz.

Almeida Garrett


Advertência a Folhas Caídas

Resultado de imagem para garrett caricaturaA maior parte das composições poéticas é inspirada na paixão avassaladora que Almeida Garrett sentiu por a Viscondessa da Luz.
São inúmeras as marcas românticas presentes nos poemas desta colectânea: a)Tratamento do tema dicotomia amor/paixão; b)Confessionalismo literário; c)Defesa do mito de Rousseau do bom selvagem – crença na corrupção inerente ao homem social que se opõe à sua bondade inata;
d) Apologia da liberdade de sentir/amar sem quaisquer constrangimentos sociais – ex: o casamento; e) Dicotomia mulher-anjo / mulher fatal; f) Concepção de amor como força avassaladora, tirana e irracional; g) Presença de alguns temas e formas populares – ex: a pesca; utilização da quadra (quatro versos numa estrofe) e da redondilha maior e menor (sete e cinco sílabas métricas).
A linguagem do autor é simples, por vezes coloquial e familiar, não sendo, no entanto, vulgar ou descuidada. O estilo é hiperbólico, exclamativo, socorrendo-se de inúmeros artifícios como: METÁFORA – Pescador da barca bela / onde vais pescar com ela…-; INTERROGAÇÃO RETÓRICA – Anjo és tu ou és mulher?-;
ADJECTIVAÇÃO EXPRESSIVA - e só te quero / de um querer bruto e fero / que não chega ao coração…; ANTÍTESE – Não te amo, quero-te! EXCLAMAÇÃO – Olha bem estes sítios queridos! / vê-os bem neste olhar derradeiro!…; PERSONIFICAÇÃO – olha o verde do triste pinheiro, entre muitos outros.

Garrett assume-se nesta obra como uma personagem que dialoga (apesar de a presença do interlocutor estar apenas subentendida), dirigindo palavras de doce amor ou raiva e desespero ao objecto do seu amor/paixão, ou ainda dando conselhos a um tu que está a iniciar-se na aventura do amor. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

O Romantismo na Europa e Portugal

O Romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que durou por grande parte do século XIX. Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária ao racionalismo e ao iluminismo e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa.
Inicialmente apenas uma atitude, um estado de espírito, o romantismo toma mais tarde a forma de um movimento, e o espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi marcado pela objetividade, pelo iluminismo e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu.
O termo romântico refere-se ao movimento estético, ou seja, à tendência idealista ou poética de alguém que carece de sentido objetivo.
O romantismo é a arte do sonho e fantasia. Valoriza as forças criativas do indivíduo e da imaginação popular. Opõe-se à arte equilibrada dos clássicos e baseia-se na inspiração fugaz dos momentos fortes da vida subjetiva: na fé, no sonho, na paixão, na intuição, na saudade, no sentimento da natureza e na força das lendas nacionais.
Teve como marco inicial a publicação do poema "Camões", de Almeida Garrett, em 1825, e durou cerca de 40 anos terminando por volta de 1865 com a Questão Coimbrã.
A primeira geração do romantismo em Portugal vai de 1825 a 1840. Seus principais autores são Almeida Garrett, Alexandre Herculano, António Feliciano de Castilho. A segunda geração, ultra-romântica, de 1840 a 1860 e tem como principais autores, Camilo Castelo Branco e Soares de Passos. A terceira geração, pré-realista, de 1860 a 1870, aproximadamente, teve como principais autores Júlio Dinis e João de Deus.
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O contexto político e social do Romantismo português

Resultado de imagem para daumier portugalO nosso movimento romântico surgiu no contexto das lutas liberais que, a partir de 1820, constituíram o acontecimento que marcou definitivamente a nossa História política e social do século XIX e o ponto de viragem para a modernidade.
O eco das ideias da Revolução Francesa chegara já aos nossos pré-românticos, deixando marcas na sua poesia, principalmente, na poesia e vivências da Marquesa de Alorna e Bocage.
Posteriormente, na sequencia das Invasões Francesas, de 1807-1810, as ideias liberais começaram a difundir-se e a ganhar adeptos.
Em 1820, deu-se uma revolta militar no Porto, revolta de carácter liberal, que levou a eleições para as Cortes no ano seguinte e que faz regressar o rei a Portugal. Em 1822 é jurada em Lisboa a 1ª Constituição liberal. Nesse mesmo ano, o herdeiro real, D. Pedro IV proclama a independência da colonia brasileira, de que se tornou Imperador com o nome de Pedro I.

Em 1823, eclode a Vila-Francada, movimento militar reacionário, liderado pelo Infante D.Miguel, irmão  de D.Pedro. D.Miguel, vitorioso do golpe, suspende, então, a Constituição e encerra as Cortes. Em 1824, o mesmo D.Miguel lidera novo movimento reacionário, destinado a destituir seu pai, D.João VI. 
É altura de D.Pedro, herdeiro legítimo do trono de Portugal, renunciar ao seu título de Imperador do Brasil e vir para Portugal. Como esta era ainda menor, D.Miguel é designado regente, tendo jurado a Carta Constitucional, que o seu irmão outorgara. Pouco depois, porém, dissolveu as Cortes e fez-se nomear como rei absoluto; na sequência, novas perseguições aos liberais.
Inicia-se então uma Guerra Civil, opondo absolutistas, sob comando de D.Miguel e apoiados pela Igreja, e liberais, liderados por D.Pedro. A guerra prolonga-se por três anos, deixando profundas feridas entre os que a fizeram e a sofreram. Termina com a vitória liberal em 1834, o mesmo ano em que D.Pedro morre, subindo assim ao trono sua filha, com o nome de D.Maria II.
Não foi fácil, porém, o período que se seguiu, nomeadamente com as lutas políticas havidas entre os defensores da Carta Constitucional. No entanto, era já o final do Antigo Regime a vitória dos novos tempos, marcados pelo poder da burguesia liberal vitoriosa. Importantes medidas foram tomadas, como a abolição dos morgadios e dos direitos senhoriais, o confisco dos bens da Igreja e a extinção das ordens religiosas.
A partir de 1851, teve lugar um movimento militar anticabralista, liderado pelo Duque de Saldanha, e incentivado por algumas grandes personalidades liberais, como Alexandre Herculano, em cuja casa a revolução foi preparada. Fui justamente no contexto das lutas liberais e pela consolidação que se desenvolveu entre nós o Romantismo, que nascem em parte no exílio.

Almeida Garrett

Resultado de imagem para almeida garrettAlmeida Garrett pode definir-se como o escritor que representa um tempo que é sobretudo de transição, entre um Neoclassicismo com marcas visíveis do pensamento iluminista e um Romantismo que Garrett tratou de difundir entre nós.
Tal como acontece com outros escritores da nossa Literatura (Camões e Bocage, por exemplo), Garrett constitui uma personalidade já de si com uma dimensão verdadeiramente literária, no sentido em que é dotado de uma contextura psicológica peculiar.
Garrett convida a uma espécie de fusão entre a representação literária de temas e atitudes românticas e a vivência, no quotidiano, desses temas e atitudes – ainda que eventualmente seja difícil distinguir o que nela existe de autêntico do que é encenado.
O carácter multiforme da psicologia garrettiana muito tem que ver com uma vida literária que se desenrola sob o signo da mudança: o Neoclassicismo ao Romantismo, Garrett experimente soluções experimenta soluções estéticas inovadoras, sem nunca postergar por inteiro, é bom notar, a lição neoclássica que fora da sua formação.

O Garrett romântico manifesta-se seduzido pelos valores do Romantismo, o jovem poeta exilado fixa no prólogo do Camões princípios que regem uma criação literária dominada por procedimentos tipicamente românticos: a altiva consciência da inovação, a rejeição das regras, o primado do sentimento, o culto da independência, nos planos estéticos e político.   

Poetas do Século XX

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto no dia 6 de novembro de 1919 e faleceu em Lisboa no d...