sábado, 30 de abril de 2016

Sonetos de Camões - Análises

Soneto é um pequeno poema composto de catorze versos, divididos em dois quartetos (duas estrofes com quatro versos) e dois tercetos (duas estrofes com três versos).O soneto possui versos metrificados e rimados e, classicamente, esses versos são decassílabos (com dez sílabas métricas) ou alexandrinos (com doze sílabas métricas).


SONETO SOBRE O AMOR
 
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?



Análise

Neste poema, Camões procurou conceituar a natureza contraditória do amor. Não é um tema
novo. Já na Antiguidade, o amor era visto como uma espécie de cegueira, uma doença da
razão, uma enfermidade de consequências às vezes devastadoras. Nas cantigas de amor
medievais, os trovadores exprimiam seu sofrimento, a coita, provocada pela desorientação
das reacções do artista diante de sua Senhora, de sua Dona.O poeta buscou analisar o
sentimento amoroso racionalmente, por meio de uma operação de fundo intelectual, racional,
valendo-se de raciocínios próximos da lógica formal. Mas como o amor é um sentimento
vago, imensurável, Camões acabou por concluir pela ineficácia de sua análise,
desembocando no paradoxo do último verso.


SONETO SOBRE A MULHER


Ondados fios de ouro reluzente,
Que, agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos,
Fazeis que a sua beleza se acrescente;

Olhos, que vos moveis tão docemente,
Em mil divinos raios encendidos,
Se de cá me levais alma e sentidos,
Que fora, se de vós não fora ausente?

Honesto riso, que entre a mor fineza
De perlas e corais nasce e parece,
Se na alma em doces ecos não o ouvisse!...

Se, imaginando só tanta beleza,
De si em nova glória a alma se esquece,
Que será quando a vir?... Ah! Quem a visse…


Análise

O poema apresenta uma enumeração metafórica dos atributos físicos da mulher, sendo apresentados os cabelos: “Ondados fios de ouro reluzente”, rosto metaforizado em “rosas”, os olhos como “raios encendidos”, o riso, e os dentes e os lábios, metaforizados em “perlas e corais”. Esta caracterização respeita o ideal feminino petrarquista e assume também a ausência da amada: “Se na alma em doces ecos não o ouvisse!...”. Assim, afastado do objecto da sua devoção, o poeta deseja a proximidade: “Que será quando a vir… Ah! Quem a visse…”, utilizando um discurso expressivo, marcado pela suspensão das ideias – visível na utilização das reticências – e com expressões interjectivas.



SONETO SOBRE O DESCONCERTO DO MUNDO

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança.
Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Análise

Soneto que tem como tema a mudança. Tudo está em constante mutação mas, segundo a reflexão do sujeito poético, existem grandes diferenças entre a mudança na natureza e a mudança no sujeito. Na natureza a mudança é para melhor: na primavera  os campos ficam cobertos de  “verde manto” substituindo  a “neve fria” do inverno. Contrariamente  no sujeito  a transformação é negativa o, “ doce encanto” converte-se em “ choro”.  Mas até a própria mudança está mudada, pois “não se muda já como soía “ (costumava).



SONETO DE CARÁCTER AUTOBIOGRÁFICO

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Análise

O dia em que Camões nasceu, segundo ele próprio, não deveria voltar mais ao mundo. Mas, caso voltasse, o Sol deveria sofrer um eclipse ao voltar ao mesmo passo. Ora, tal aconteceria quando voltasse o mesmo dia do ano, um ano depois, quando Camões completasse um ano de idade.

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