sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Poemas de Antero de Quental

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante. 
Por desertos, por sóis, por noite escura, 
Paladino do amor, busco anelante 
O palácio encantado da Ventura! 

Mas já desmaio, exausto e vacilante, 
Quebrada a espada já, rota a armadura... 
E eis que súbito o avisto, fulgurante 
Na sua pompa e aérea formosura! 

Com grandes golpes bato à porta e brado: 
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... 
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! 

Abrem-se as portas d'ouro com fragor... 
Mas dentro encontro só, cheio de dor, 
Silêncio e escuridão - e nada mais!


O assunto deste poema é que o sujeito poético sonha ser um cavaleiro andante, que é uma personagem de ficção mas que ganha vida, e que segundo Rui Veloso na canção intitulada de "Cavaleiro andante", apoia o "tu" nas suas "mágoas e desventuras". Esta cavaleiro andante procura o palácio da Ventura, isto é, a felicidade; quando está prestes a desistir, encontra-o finalemnte, mas o interior do palácio está vazio, o que lhe provoca sofrimento e angústia. No final, o sujeito poético constata que a sua demanda se revela vã, experienciando a deceção, o desvanecer total do seu sonho. Simbolicamente, podemos considerar que, mesmo quando se configuram ao nosso alcance, os ideais (de justiça, felicidade, liberdade...) se nos escapam sempre. 
Quanto à estrutura, este poema é um soneto, com a rima cruzada, emparelhada e interpolada. Enquanto à métrica, este poema é decassilábico.

Tormento do Ideal
Resultado de imagem para tormento do idealConheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr-do-sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.


Recebi o batismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.



No primeiro quarteto diz que apesar de ter alcançado a beleza ideal, ficou triste. Como demonstra no segundo quarteto, esse ideal de beleza não tem correspondências no mundo real onde adoece de imperfeições (“perder a cor”) e, por mais que procura a “ideia pura” (primeiro terceto) nos elementos da realidade, descobre que o material apenas lhe oferece “sombras” e “a imperfeição de quanto existe”. Conclui sentenciando que, como chegou a ser poeta, pode possuir intelectualmente os ideais da perfeição, mas ficou para sempre triste e saudoso por não ser capaz de atopar essa verdade no mundo real e sensorial do resto dos humanos.
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Hino à razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece,
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.
     
Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
     

 Por ti, na arena trágica, as nações 
 Buscam a liberdade, entre clarões; 

 E os que olham o futuro e cismam, mudos,
     
 Por ti, podem sofrer e não se abatem, 
 Mãe de filhos robustos, que combatem 

  Tendo o teu nome escrito em seus escudos!


O poeta considera a Razão «irmã do Amor e da Justiça», porque é a voz do sentimento. Procurando o sentido da vida e da dor, o poeta tenta unir a razão ao coração.  Justiça, Liberdade são três valores que ressaltam deste soneto. Ao tornar a Razão irmã do Amor e da Justiça, o poeta revela-se preocupado em harmonizar conceitos. Cabe à Razão levar o Homem a saber que só o Amor e a Justiça podem criar a harmonia e levar à Liberdade.
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A um poeta
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate.



Neste soneto, o termo "Poeta" poderá remeter para a figura de um idealista, possivelmente em consonância com o espírito da época. A referência ao espírito do mundo romântico, lúgubre e sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a metáfora em "Afugentou as larvas tumulares" (v. 6) e "Um mundo novo espera só um aceno" (v. 8). Mas o que interessa, sobretudo, é perceber que o sujeito lírico faz um apelo a todo aquele que é capaz de sonhar, mas vive alheado e num estado de inércia quando é necessária a luta revolucionária ao lado de um povo que sofre e que busca a liberdade.

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