segunda-feira, 5 de junho de 2017

Poetas do Século XX

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto no dia 6 de novembro de 1919 e faleceu em Lisboa no dia 2 de julho de 2004. Foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1998. O seu corpo está no Panteão Nacional desde 2014 e tem uma biblioteca com o seu nome em Loulé
De modo geral, o universo temático da Autora é abrangente e pode ser representado pelos seguintes pontos resumidos:
  • A busca da justiça, do equilíbrio, da harmonia e a exigência do moral;
  • Tomada de consciência do tempo em que vivemos;
  • A Natureza e o Mar – espaços eufóricos e referenciais para qualquer ser humano;
  • O tema da casa;
  • Amor;
  • Vida em oposição à morte;
  • Memória da infância;
  • Valores da antiguidade clássica, naturalismo helénico;
  • Idealismo e individualismo ao nível psicológico;
  • O poeta como pastor do absoluto;
  • O humanismo cristão;
  • A crença em valores messiânicos e sebastianistas;
  • Separação.

Em todos os jardins.

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como um beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

O tema deste poema é a Natureza e a morte. O sujeito poético deseja unir-se á natureza e regressar ás suas origens após a sua morte. 

Terror de te amar.
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas. 

Este poema fala sobre amor. Aqui o sujeito poético exprime a incerteza do ser humano em relação ao amor mostrando também a sua fragilidade em relação as causas da ruptura do amor. O sujeito deseja, também, que esse amor  fosse vivido apenas pelos dois. 

Os Amigos.
Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão.

MANUEL ALEGRE

Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um activo dirigente estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Dirigiu o jornal A Briosa, foi redactor da revista Vértice e colaborador de Via Latina. As suas temáticas são: liberdade, democracia, Portugal e direitos.


As Mãos.
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.


De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

  • Estrutura interna.

1ª Estrofe – O sujeito poético afirma que as mãos têm poder para fazer o Bem e o Mal - (paz ≠ guerra; faz ≠ desfaz).
2ª Estrofe –  declara que as mãos têm força para trabalhar no mar e na terra - (“com as mãos se rasga o mar e se lavra”).
3ª Estrofe – O sujeito poético diz que as mãos são a esperança  - (“verdes harpas”).
 4ª Estrofe –  o sujeito poético faz um apelo à nossa consciência e ao bom uso que damos às nossas mãos, comprovando que sem as nossas mãos não alcançamos a liberdade  - (“nas tuas mãos começa a liberdade”).
  • Divisão do poema.

O poema pode dividir-se em duas partes. Estas duas partes são:
. 1ª parte: constituída pelas duas quadras e pelo primeiro terceto- o sujeito poético fala sobre o poder que as mãos possuem.
. 2ª parte: constituída pelo último terceto, em que o sujeito poético apela à responsabilização ao uso que damos às nossas mãos, afirmando que são nelas que começa a nossa liberdade.

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Ser ou não ser.

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.

Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.

Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.

Neste poema é recorrente a ideia da submissão a um poder totalitário e opressivo. Cria uma sugestão de um clima desagradável e apodrecido que dominou o reino. O sujeito poético passa a enumerar as circunstâncias que contribuíram para a progressiva derrocada nas três primeiras estrofes. De seguida questiona-se e questiona-nos sobre a necessidade de manter essa situação para, na última estrofe, explorar as duas possibilidades sugeridas pelo título.
O poema acaba por funcionar como uma sobreposição de dois planos: o distante “Reino da Dinamarca” e o momento presente do sujeito poético plural. Os traços negativos da Dinamarca são, então, projetados no espaço do sujeito poético que, mais do que rever-se nessas circunstâncias, as atualiza ao substituir a expressão “os fantasmas” por “estes fantasmas”, dando corpo a estas sombras, retirando-as do campo abstrato em que se incluíam no início.

ANTÓNIO GEDEÃO
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasceu no dia 24 de novembro de 1906 e faleceu no dia 19 de fevereiro de 1997 em Lisboa. Foi professor de física e química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes e no Liceu Camões, pedagogo, investigador da história da ciência em Portugal, divulgador da ciência, e poeta sob o pseudónimo de António Gedeão.


LÁGRIMA DE PRETA

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
 
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
 
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
 
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
 
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
 
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
O poema “Lágrima de preta” de António Gedeão transmite-nos uma mensagem profunda e uma lição cheia de humanismo. O sujeito poético vai analisar uma lágrima de preta e provar que ela é igual a qualquer outra lágrima. Esta é a ideia central do poema, onde vemos a vertente antirracista do mesmo, que poderá ser exposto em qualquer propaganda contra o racismo realizada nos dias de hoje. O poeta suscita nos leitores uma reflexão sobre o essencial e o acessório, sobre o interior e o exterior, sobre a essência e a aparência, sobre o modo como convivemos com o outro e como aceitamos a diferença.
POEMA PARA GALILEU
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileu! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios).
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te?
A ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno
às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileu Galilei!
Resultado de imagem para antónio gedeão caricatura Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita
num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar
(que disparate, Galileu!)
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa
ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileu,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos,
hirtos,
de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível
que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a civilização.
Tu, embaraçado e comprometido,
em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites
e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas
(parece-me que estou a vê-las),
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim,
que sim senhor,
que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado
e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite
louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo,
na própria intimidade do teu pensamento,
(livre e calma),
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileu!
Mal sabiam os teus doutos juízes,
grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo,
empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer,
homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso, estoicamente,
mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias,
a todos os contratempos,
enquanto eles,
do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
Pedra Filosofal.
Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento. Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar. Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.
O título do poema – Pedra Filosofal – remete para a alquimia (uma substância que, segundo a lenda, se adicionava aos metais pobres para se transformarem em ouro). Assim, este título, associa o sonho humano à magia dos alquimistas, sugerindo que o sonho, qual pedra filosofal, transforma em ouro as fraquezas e as pequenas ambições humanas. O sonho faz parte da vida dos seres humanos, é tão frequente, concreto e definido como uma pedra, um ribeiro, os pinheiros, as aves... fazem parte da Natureza. Estas comparações que surgem no início do texto sugerem que o sonho é uma coisa simples, mas, ao mesmo tempo, complexa, porque é muito difícil de definir; apontam ainda o quanto os sonhos são abstratos e subjetivos, podendo, no entanto ser transformados em algo tão concreto e definido como outra coisa qualquer. 

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