Magro, de olhos azuis, carão moreno
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;
Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
- Estrutura interna bipartida:
- 1ª parte, constituída pelas quadras e pelo 1º terceto, na qual o sujeito poético esboça o seu auto-retrato;
- 2ª parte, constituída pelo último terceto, na qual o sujeito poético revela a sua identidade e as circunstâncias que proporcionaram a criação do soneto.
- Na 1ª parte, devem ser considerados dois momentos distintos: a 1ª quadra, que respeita ao retrato físico; a 2ª quadra e o primeiro terceto, que evidenciam o retrato psicológico.
- Aspectos psicológicos:
- inconstante (propenso a paixões)
- iroso
- anticlerical
- Elementos neoclássicos:
- a forma (soneto)
- o vocabulário alatinado (níveas, letal, deidades)
- Elementos românticos:
- o carácter autobiográfico
- o individualismo
- o tom confessional
- o amor sensual
- Alguns recursos estilísticos:
- adjectivação (magro, azuis, moreno, meão, triste, alto, pequeno, incapaz, propenso, níveas, escura, infernais, letal, devoto, pachorrento); antítese (vv 6, 7, 9/11); hipérbole (vv 9, 10); anástrofe (v 8, 11, 12, 13).
Já Bocage não sou!... À cova escura
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio de razão seguisse pura!
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio de razão seguisse pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria.
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria.
Outro Aretino fui... A santidade
Manchei - ... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!
Manchei - ... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!
- Também este poema é o resultado de uma atitude introspetiva do sujeito poético, o que determina, uma vez mais, a respetiva estrutura interna:
- nas duas quadras, o sujeito poético confessa uma vida de ultraje a Deus no passado;
- nos dois tercetos, assiste-se à confissão do arrependimento, o que impele o sujeito poético a dirigir-se à mocidade, que corria atrás da sua poesia, para que rasgue seus versos e acredite na eternidade;
- Notar a diferença que resulta da leitura do verso 6, considerando o ritmo heróico (marca as palavras fez e intento), ou o sáfico (marca as palavras verso, louco e intento), ambos possíveis;
- Elementos neoclássicos:
- a forma (soneto)
- a presença da mitologia (Musa)
- a presença de vocabulário alatinado (estro, fantástico)
- a alusão à razão
- Elementos românticos:
- o tom confessional do poema
- o tema do arrependimento
- a alusão à morte
- o tom declamatório
- a pontuação expressiva associada à função emotiva
- Alguns recursos estilísticos:
- adjectivação (escura, desfeito, leve, dura, vã, louco, pura, fria, alto, fantástico, ímpia) anástrofe (vv 1/2, 6, 11/12); metonímia (v 3); antítese (v 4); apóstrofe (v 7, 13); metáfora (v 11).
- adjectivação (escura, desfeito, leve, dura, vã, louco, pura, fria, alto, fantástico, ímpia) anástrofe (vv 1/2, 6, 11/12); metonímia (v 3); antítese (v 4); apóstrofe (v 7, 13); metáfora (v 11).
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