quarta-feira, 8 de junho de 2016

Bocage - Poemas

Magro, de olhos azuis, carão moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
  1. Estrutura interna bipartida:
    • 1ª parte, constituída pelas quadras e pelo 1º terceto, na qual o sujeito poético esboça o seu auto-retrato;
    • 2ª parte, constituída pelo último terceto, na qual o sujeito poético revela a sua identidade e as circunstâncias que proporcionaram a criação do soneto.
  2. Na 1ª parte, devem ser considerados dois momentos distintos: a 1ª quadra, que respeita ao retrato físico; a 2ª quadra e o primeiro terceto, que evidenciam o retrato psicológico.
  3. Aspectos psicológicos:
    • inconstante (propenso a paixões)
    • iroso
    • anticlerical
  4. Elementos neoclássicos:
    • a forma (soneto)
    • o vocabulário alatinado (níveas, letal, deidades)
  5. Elementos românticos:
    • o carácter autobiográfico
    • o individualismo
    • o tom confessional
    • o amor sensual
  6. Alguns recursos estilísticos:
    • adjectivação (magro, azuis, moreno, meão, triste, alto, pequeno, incapaz, propenso, níveas, escura, infernais, letal, devoto, pachorrento); antítese (vv 6, 7, 9/11); hipérbole (vv 9, 10); anástrofe (v 8, 11, 12, 13).

Já Bocage não sou!... À cova escura

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio de razão seguisse pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria.

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei - ... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!
  1. Também este poema é o resultado de uma atitude introspetiva do sujeito poético, o que determina, uma vez mais, a respetiva estrutura interna:
    • nas duas quadras, o sujeito poético confessa uma vida de ultraje a Deus no passado;
    • nos dois tercetos, assiste-se à confissão do arrependimento, o que impele o sujeito poético a dirigir-se à mocidade, que corria atrás da sua poesia, para que rasgue seus versos e acredite na eternidade;
  2. Notar a diferença que resulta da leitura do verso 6, considerando o ritmo heróico (marca as palavras fez e intento), ou o sáfico (marca as palavras versolouco e intento), ambos possíveis;
  3. Elementos neoclássicos:
    • a forma (soneto)
    • a presença da mitologia (Musa)
    • a presença de vocabulário alatinado (estro, fantástico)
    • a alusão à razão
  4. Elementos românticos:
    • o tom confessional do poema
    • o tema do arrependimento
    • a alusão à morte
    • o tom declamatório
    • a pontuação expressiva associada à função emotiva
  5. Alguns recursos estilísticos:
    • adjectivação (escura, desfeito, leve, dura, vã, louco, pura, fria, alto, fantástico, ímpia) anástrofe (vv  1/2, 6, 11/12); metonímia (v 3);  antítese (v 4);  apóstrofe  (v  7, 13); metáfora (v  11).


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