sábado, 30 de abril de 2016

Esparsa + Análise

Trova de tema amoroso que não é precedida nem de glosa nem de mote, constituída por uma única estrofe de redondilha maior, com oito a dezasseis versos, generalizada na Península Ibérica a partir do século XV e presente no Cancioneiro Geral.

 Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, para mais m´espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assi que, só para mim

anda o mundo concertado.

Análise

Na reflexão de Camões (neste poema) a ordem social instituída é injusta, por isso diz que o Mundo está desconcertado. O que seria justo era os bons serem recompensados e os maus serem castigados. No entanto, não é isso que acontece. Os bons sofrem e vivem num mundo de “graves tormentos” e os maus acabam por conseguir tudo o que querem vivendo assim num “mar de contentamentos”.
O poeta tenta alcançar o “bem tão mal ordenado”, que é o mal, para se inserir na ordem social desconcertada e assim receber o bem e encontrar-se também num “mar de contentamentos”.
Esta foi uma tentativa falhada, pois ao ser mau o poeta foi logo castigado. Porquê?
Apesar de ter feito o que fazem os maus, ele não acreditava no que estava a fazer. E quem não acredita no que faz não pode ser bem sucedido. As pessoas genuinamente boas não conseguem ser más, pois vai contra os seus valores éticos e morais. O poeta concluiu então que só para ele é que “anda o mundo concertado”.

Cantiga + Análise

A cantiga constitui uma composição medieval galego-portuguesa de tema religioso ou profano, destinada a ser cantada. Formalmente, corresponde a uma composição poética composta por um mote de quatro ou cinco versos e por uma ou várias glosas de oito, nove ou dez versos, que repetem no final pelo menos o último verso do mote.

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Análise

Neste poema, o sujeito poético pretende comparar os olhos da sua amada com a Natureza, mas os olhos referem-se à amada no seu todo.
O "eu lírico" cita a beleza do campo e menciona que as ovelhas mantêm-se deste, enquanto ele se mantem das lembranças do seu coração. Sente saudade, tristeza e nostalgia.
Por último, o sujeito poético refere que o gado pasta com alegria nos campos, no entanto explica que o que eles estão a comer são as graças do seu coração, ou seja, corresponde à beleza dos olhos da sua amada.

Vilancete + Análise

Este tipo de poema tem um mote - o início do poema que, na música, funciona como refrão - seguido de uma ou mais estrofes - as voltascoplas ou glosas - cada uma com 7 versos. A diferença entre o vilancete e a cantiga depende do número de versos no mote: se houver 2 ou 3 é um vilancete, se houver 4 ou mais é uma cantiga.Cada verso de um vilancete está normalmente dividido em cinco ou sete sílabas métricas ("medida velha").Se o último verso do mote se repetir no fim da estrofe, diz-se que o vilancete é perfeito.

Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.

Análise
Mote: descreve a acção geral realizada por Leonor, a sua amada.
Volta: o poeta anda em volta do assunto tratado no mote.
O poema que passaremos a analisar divide se em 2 partes:
Na volta o sujeito poético faz a descrição da figura feminina tratada no mote, descrevendo tanto a beleza física e psicológica da sua amada demonstrando assim o fascínio que ela exerce nele.
O sujeito poético apresenta Leonor fisicamente e psicologicamente pelo uso de expressões como:


"Formosa"- encontra-se no mote verso 3-uso do adjectivo “formosa” fazendo referência a sua beleza


"Mãos de prata"- encontra-se na volta, na primeira redondilha, verso 5 –é feita a caracterização das mãos de Leonor como sendo muito valiosas porque são mãos laboriosas.


"Cinta de fina e escarlata" - encontra-se na volta, na primeira redondilha, verso6 –faz referência á sua elegância.


"Traz a vasquinha de cote, mais branca que a neve pura" - encontra-se na volta, primeira redondilha, verso 8 e 9 –refere que o seu tom de pele branco, comparando-o a brancura da neve.


"Cabelos de ouro entrançado" - encontra-se na volta segunda redondinha, verso 12 –refere-se a cor loira do seu cabelo, comparando-o com o ouro. Aqui o sujeito poético diz que Leonor é tão bela que é como que se a sua beleza “chove-se” do céu derramada por Deus, sob a forma de bênção. Fazendo com que o conceito de beleza fosse enaltecido por Leonor


"Tão linda que o mundo espanta." - encontra-se na volta, segunda redondilha verso 14 –o sujeito poético elogia a beleza da sua amada.



"Chove nela graça tanta, que dá graça à fermosura" - Aqui o sujeito poético diz que Leonor é tão bela que é como que se a sua beleza “chovesse” do céu derramada por deus, sob a forma de bênção. Fazendo com que o conceito de beleza fosse enaltecido por Leonor

Sonetos de Camões - Análises

Soneto é um pequeno poema composto de catorze versos, divididos em dois quartetos (duas estrofes com quatro versos) e dois tercetos (duas estrofes com três versos).O soneto possui versos metrificados e rimados e, classicamente, esses versos são decassílabos (com dez sílabas métricas) ou alexandrinos (com doze sílabas métricas).


SONETO SOBRE O AMOR
 
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?



Análise

Neste poema, Camões procurou conceituar a natureza contraditória do amor. Não é um tema
novo. Já na Antiguidade, o amor era visto como uma espécie de cegueira, uma doença da
razão, uma enfermidade de consequências às vezes devastadoras. Nas cantigas de amor
medievais, os trovadores exprimiam seu sofrimento, a coita, provocada pela desorientação
das reacções do artista diante de sua Senhora, de sua Dona.O poeta buscou analisar o
sentimento amoroso racionalmente, por meio de uma operação de fundo intelectual, racional,
valendo-se de raciocínios próximos da lógica formal. Mas como o amor é um sentimento
vago, imensurável, Camões acabou por concluir pela ineficácia de sua análise,
desembocando no paradoxo do último verso.


SONETO SOBRE A MULHER


Ondados fios de ouro reluzente,
Que, agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos,
Fazeis que a sua beleza se acrescente;

Olhos, que vos moveis tão docemente,
Em mil divinos raios encendidos,
Se de cá me levais alma e sentidos,
Que fora, se de vós não fora ausente?

Honesto riso, que entre a mor fineza
De perlas e corais nasce e parece,
Se na alma em doces ecos não o ouvisse!...

Se, imaginando só tanta beleza,
De si em nova glória a alma se esquece,
Que será quando a vir?... Ah! Quem a visse…


Análise

O poema apresenta uma enumeração metafórica dos atributos físicos da mulher, sendo apresentados os cabelos: “Ondados fios de ouro reluzente”, rosto metaforizado em “rosas”, os olhos como “raios encendidos”, o riso, e os dentes e os lábios, metaforizados em “perlas e corais”. Esta caracterização respeita o ideal feminino petrarquista e assume também a ausência da amada: “Se na alma em doces ecos não o ouvisse!...”. Assim, afastado do objecto da sua devoção, o poeta deseja a proximidade: “Que será quando a vir… Ah! Quem a visse…”, utilizando um discurso expressivo, marcado pela suspensão das ideias – visível na utilização das reticências – e com expressões interjectivas.



SONETO SOBRE O DESCONCERTO DO MUNDO

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança.
Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Análise

Soneto que tem como tema a mudança. Tudo está em constante mutação mas, segundo a reflexão do sujeito poético, existem grandes diferenças entre a mudança na natureza e a mudança no sujeito. Na natureza a mudança é para melhor: na primavera  os campos ficam cobertos de  “verde manto” substituindo  a “neve fria” do inverno. Contrariamente  no sujeito  a transformação é negativa o, “ doce encanto” converte-se em “ choro”.  Mas até a própria mudança está mudada, pois “não se muda já como soía “ (costumava).



SONETO DE CARÁCTER AUTOBIOGRÁFICO

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Análise

O dia em que Camões nasceu, segundo ele próprio, não deveria voltar mais ao mundo. Mas, caso voltasse, o Sol deveria sofrer um eclipse ao voltar ao mesmo passo. Ora, tal aconteceria quando voltasse o mesmo dia do ano, um ano depois, quando Camões completasse um ano de idade.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Retrato feminino na lírica de Camões

O retrato feminino é um tema recorrente na poesia lírica de Camões, descrevendo o sujeito poético a mulher ora na sua configuração ideal ora na sua existência mais concreta.
        O Renascentismo assenta em características como a harmonia e a perfeição, que perpassavam todas as artes, e o retrato da mulher ideal na pintura e na literatura – leia-se no modelo petrarquista – não é exceção. Este modelo define a mulher como possuidora de cabelos loiros, olhos verdes e faces rosadas. À perfeição física corresponde uma perfeição psicológica de modo que a mulher petrarquista apresenta um espírito calmo e representa uma mulher de poder superior, que exerce um domínio mágico, que cativa e submete o sujeito lírico.

 Camões soube conciliar as nossas tradições literárias, desde a donzela da cantiga de amigo, passando pela divinização da mulher, até ao modelo ideal feminino de Quinhentos.

Poetas do Século XX

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto no dia 6 de novembro de 1919 e faleceu em Lisboa no d...