Soneto é um pequeno poema composto de catorze versos, divididos em dois quartetos (duas estrofes com quatro versos) e dois tercetos (duas estrofes com três versos).O soneto possui versos metrificados e rimados e, classicamente, esses versos são decassílabos (com dez sílabas métricas) ou alexandrinos (com doze sílabas métricas).
Amor é fogo que arde sem se
ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
Análise
Neste poema, Camões procurou conceituar a natureza contraditória do amor. Não é um tema
novo. Já na Antiguidade, o amor era visto como uma espécie de cegueira, uma doença da
razão, uma enfermidade de consequências às vezes devastadoras. Nas cantigas de amor
medievais, os trovadores exprimiam seu sofrimento, a coita, provocada pela desorientação
das reacções do artista diante de sua Senhora, de sua Dona.O poeta buscou analisar o
sentimento amoroso racionalmente, por meio de uma operação de fundo intelectual, racional,
valendo-se de raciocínios próximos da lógica formal. Mas como o amor é um sentimento
vago, imensurável, Camões acabou por concluir pela ineficácia de sua análise,
desembocando no paradoxo do último verso.
Ondados
fios de ouro reluzente,
Que, agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos,
Fazeis que a sua beleza se acrescente;
Olhos, que vos moveis tão docemente,
Em mil divinos raios encendidos,
Se
de cá me levais alma e sentidos,
Que fora, se de vós não fora ausente?
Honesto riso, que entre a mor fineza
De perlas e corais nasce e parece,
Se na alma em doces ecos não o ouvisse!...
Se, imaginando só tanta beleza,
De si em nova glória a alma se esquece,
Que será quando a
vir?... Ah! Quem a visse…
Análise
O poema apresenta uma enumeração metafórica dos atributos físicos da mulher, sendo apresentados os cabelos: “Ondados fios de ouro reluzente”, rosto metaforizado em “rosas”, os olhos como “raios encendidos”, o riso, e os dentes e os lábios, metaforizados em “perlas e corais”. Esta caracterização respeita o ideal feminino petrarquista e assume também a ausência da amada: “Se na alma em doces ecos não o ouvisse!...”. Assim, afastado do objecto da sua devoção, o poeta deseja a proximidade: “Que será quando a vir… Ah! Quem a visse…”, utilizando um discurso expressivo, marcado pela suspensão das ideias – visível na utilização das reticências – e com expressões interjectivas.
SONETO SOBRE O
DESCONCERTO DO MUNDO
Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança.
Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem, se algum houve, as saudades. |
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Análise
Soneto que tem como tema a mudança. Tudo está em constante mutação mas, segundo a reflexão do sujeito poético, existem grandes diferenças entre a mudança na natureza e a mudança no sujeito. Na natureza a mudança é para melhor: na primavera os campos ficam cobertos de “verde manto” substituindo a “neve fria” do inverno. Contrariamente no sujeito a transformação é negativa o, “ doce encanto” converte-se em “ choro”. Mas até a própria mudança está mudada, pois “não se muda já como soía “ (costumava).
SONETO DE CARÁCTER AUTOBIOGRÁFICO
O
dia em que eu nasci, moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.
A luz lhe falte, o sol se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Análise
O dia em que Camões nasceu, segundo ele próprio, não deveria voltar mais ao mundo. Mas, caso voltasse, o Sol deveria sofrer um eclipse ao voltar ao mesmo passo. Ora, tal aconteceria quando voltasse o mesmo dia do ano, um ano depois, quando Camões completasse um ano de idade.